sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A educação profissional deve ser para o conformismo social: defende Aires Ali, o Ministro da Educação de Moçambique


Eis, uma parte do discurso do Ministro da Educação, cujo título no Jornal Notícias é: Mais escolas profissionalizantes serão erguidas em Cabo Delgado

“O DISTRITO de Mueda verá daqui a cerca de seis meses concluída a primeira fase de edificação duma escola cuja primeira pedra foi lançada quarta-feira passada pelo Ministro da Educação e Cultura, Aires Ali, que estará virada para a satisfação do actual objectivo do Governo de profissionalização dos estabelecimentos de ensino, no dia em que fez o mesmo em relação à Escola Primária de N´Tchinga, distrito de Muidumbe e acabava de inaugurar a Escola Secundária Januário Pedro na vila autárquica de Mocímboa da Praia, que entretanto já vinha funcionando há cerca de quatro anos.

Maputo, Sexta-Feira, 14 de Agosto de 2009:: Notícias

A de Mueda, segundo Aires Ali, vai ser profissionalizente, porque, de acordo com a sua opinião, o Governo não deve continuar a formar quadros que só sabem criticar e pedir emprego e que cobiçam sempre a posição de dirigente ou de chefia.

Não podemos ter crianças que estudam durante 12 anos a aprender a pedir, voltam para casa para continuarem a pedir aos seus pais a sua própria sobrevivência ou ao Governo, ou ainda ao partido. Do jeito de, eu já tenho a 12ª classe feita mas o Governo ou o partido não me está a dar emprego. Não me estão a chamar. Não deve ser assim, têm que provar que valem, na prática”, disse o ministro da Educação e Cultura”

Comentário:

Se possuímos alguma clareza sobre a finalidade e a modalidade do ensino básico e da educação superior, tal clareza é obscurecida em relação ao ensino profissionalizante e o ensino médio que, em diversos países continuam uma incógnita. Um dos exemplos dessa incógnita são as intermináveis reformas, principalmente do ensino médio, justificadas como busca de caminhos da definição da formação: a educação geral ou a educação profissionalizante. A profissionalização da educação básica, de um modo geral, decorreu das lutas do movimento trabalhador, em função da mudança da base técnica de produção, como resultado da revolução industrial e do processo da ampliação do Estado Capitalista: os trabalhadores ganharam alguns direitos, entre os quais, o direito à educação. A escola da época, entretanto, tradicional, era mais humanista e, por conseguinte, não atendia aos interesses da classe trabalhadora.

Por não atender aos interesses imediatos da classe trabalhadora, por um lado, e devido a necessidade de mão-de-obra especializada, por outro lado, abriu-se um debate entre a burguesia e o movimento dos trabalhadores sobre a inclusão do trabalho na escola, como princípio educativo. O entendimento do conceito de trabalho, porém, seguiu por outros caminhos, distorcendo a definição feita por Marx. Ao se incluir o trabalho na escola como princípio educativo, pretendia-se que a escola preparasse os filhos dos trabalhadores para o mundo da produção. A elite burguesa, porém, sentiu-se pouco confortada com a proposta: ela atingia a escola tradicional, onde os seus filhos estudavam,. Desse modo, a burguesia buscou definir em qual nível de educação o ensino seria profissionalizante. Criaram-se duas escolas: uma para elite burguesa e outra, profissionalizante, para os fiilhos dos trabalhadores. Apesar dessa solução, os debates continuaram e, no contexto do socialismo russo, Lênin e Kruspskaia, retomando as proposições marxianas e as experiências de Robert Owen defenderam a formação profissional juntamente com a intelectual, preparando o aluno tanto para pensar a sociedade como também para o mundo do trabalho, de modo a não ser um trabalhador dirigido, mas sim, dirigente da sociedade, que participa ativamente na transformação dessa mesma sociedade. A proposta dos dois, entrentanto, não vingou no movimento operário Russo: defendeu-se a formação profissional destituida da geral e a fábrica como locus da formação do trabalhador.

A defesa da escola profissionalizante com uma forte componente geral e humanistica ficou mais vincada no pensamento de Gramsci, através da idéia da escola unitária: que todos os estudantes, independentemente do grupo social, fossem levados até a escola média, onde deveria se equilibrar a capacidade de trabalho manual e a de trabalho intelectual.Ou seja, a profissionalização não deve descurar da formação humanística, que propicia a compreensão crítica de si mesmo e do mundo no qual vive. Porém, as experiências de educação transportadas para o bloco socialista foram aquelas que venceram no movimento operário Russo.

Ora, o Ministro da Educação de Moçambique, conforme sublinha o Jornal notícias, justifica a profissionalização do ensino em Mueda, porque os estudantes apenas saberem criticar. Quais estudantes? Estudantes do geral. Como apenas sabem criticar e pedir emprego, então, a solução é a profissionalização do ensino. Mas uma profissionalização nos moldes pretendidos pela burguesia da passagem do século XIX para o XX, onde o aluno aprende a ser um bom trabalhador, exímio cumpridor de tarefas, conformado com a ordem social vigente. Não pode criticar, mas apenas seguir as orientações dos “patrões”, por mais injustas que sejam essas orientações.

A partir da fala do Ministro, parece ficar clara a posição dos governantes moçambicanos com relação aos objetivos da educação em Moçambique e, de um modo específico, da ensino profissional que está em processo de reforma: educar para o conformismo social, mesmo ante o caráter injusto da sociedade moçambicana que cada dia tem ficado mais evidente.

Outro ponto a considerar na fala do Ministro: os alunos somente sabem pedir emprego ao governo. Concordo com ele ao deixar nas entrelinhas que não é tarefa do governo dar empregos. Mas discordo com ele, ao colocar a ênfase no governo e não no Estado. Trata-se do governo do Estado e, como tal, tem a obrigação de formular e implementar políticas de geração de empregos. O apelo ao auto-emprego é uma fuga, no meu entender, à responsabilidade pela efetivação do direito humano ao trabalho. Com esse discurso, ratifica-se, mais uma vez, o artigo 84 da Constituição da República, onde afirmado que o trabalho é o DIREITO e DEVER de cada cidadão, embora no artigo 88 esteja dito que o Estado moçambicano promove a extensão da educação à formação profissional. É paradoxal: o Estado apenas promove a formação profissional, mas não se responsabiliza pela criação de emprego, através de políticas públicas consistentes, apelando, por conseguinte, para a auto-emprego. Deixa a entender, nas entrelinhas, que aquele que não conseguir se auto-empregar, o problema é dele e não do Estado e do governo do dia. O Ministro da Educação apenas esclareceu o que estava subentendido nos vários documentos do Estado moçambicano.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Os melhores da UEM e as bolsas da HCB

HCB oferece 20 bolsas aos melhores da UEM

VINTE estudantes do terceiro e quarto anos dos cursos de Engenharia Civil, Engenharia Eléctrica, Engenharia Electrónica, Engenharia Mecânica, Engenharia Civil, Biologia e Geologia, da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) vão beneficiar de bolsas de estudo oferecidas pela Hidroeléctrica de Cahora Bassa, no âmbito da implementação de um acordo de cooperação que liga as duas instituições.
Maputo, Segunda-Feira, 10 de Agosto de 2009:: Notícias

A entrega destas bolsas terá lugar esta manhã na sala dos Grandes Actos da UEM, segundo indica um comunicado sobre a matéria enviado à nossa redacção.

Cá comigo:

Não restam dúvidas que o apoio, sob forma de bolsa de estudos, às Instituições de Ensino Superior, sobretudo as públicas, contribui para o desenvolvimento de pesquisa e para a formação dos alunos. Porém, o que eu questiono é o critério de meritocracia escolhido (os melhores). Não estou contra os melhores alunos, mas a favor dos necessitados (não os coitadinhos). Caso os necessitados sejam os melhores, melhor ainda. Agora, eleger apenas os melhores como beneficitários de bolsas de estudo, no mar de tantos necessitados que precisam de apoio para também serem melhores, é questionável. O gesto não ajuda a promover o direito à educação superior pública. Pode ser que a HCB mais esteja interessada no futuro trabalhador para si do que, de fato, na promoção do referido direito. Sendo assim, o que está em causa é o agir estratégico e não o comunicativo.



domingo, 9 de agosto de 2009

Continuando a primeira jornada: pela unificação incondicional do ensino básico

Após uma pausa prolongada, volto para continuar a primeira jornada: a unificação do ensino básico

Conforme ficou sublinhado na primeira jornada, além da omissão legal, por parte do Estado moçambicano, sobre o seu compromisso (dever) para com a educação, a organização do sistema nacional de educação de Moçambique não conseguiu superar o pesado fardo colonial. Embora, em nível de discurso, os dirigentes afirmassem que pretendiam combater o elitismo educacional, propiciando a que um maior número de moçambicanos tivesse acesso à educação, todavia, sutilmente, num contexto de marginalidade cultural, promulgavam leis excludentes. Um dos exemplos da exclusão, através da lei, é a resolução 8/79 de 3 de Julho de 1979. No documento é afirmado que "o ministério da Educação, no quadro de uma planificação central, definirá o número de alunos que poderão anualmente ingressar nas escolas primárias, secundárias e superiores, bem como o número , localização e tipos de escolas que deverão ser abertas em cada ano” (Resolução 8/79 de 3 de Julho de 1979, nº2). O documento coloca por terra todo o discurso que afirmava permitir aos moçambicanos o acesso aos elevados graus de ensino. Assim, cruzando este documento e a lógica da estruturação do Sistema Nacional de Educação, fica a impressão de que a estrutura do Sistema Nacional de Educação obedece aos princípios de limitação de acesso: as diferenças entre as escolas do ensino primário do primeiro e do segundo grau são gritantes

Por exemplo, em 2001, o país possuía 7480 escolas do EP1, contra 685 do EP2. Em 2005, parece que houve um aumento do número de escolas tanto do EP1 quanto as do EP2, pois para o primeiro nível, o país contava com 8.696 estabelecimento de ensino e, para o EP2 1320. Porém, comparando os dois graus, o aumento é inexpressivo, levando consideração o crescimento demográfico que não retrocedeu. Ainda usando informações do Ministério da Educação, pode-se verificar que, comparativamente a 2001, havia 888.066 alunos no EP1 em 2005 e 190.754 alunos a mais no EP2, no igual período comparado com 2001. Ou seja, a desproporção entre as escolas e entre os alunos que conseguem terminar o EP1 e os que entram para o EP2, a fim de completarem as 7 classes de escolaridade obrigatória. Seria importante examinar o número de crianças em idade de escolaridade básica obrigatória existentes nesse período confrontando-o com o número de crianças que freqüentavam o ensino básico para termos a idéia de quantos ficaram fora da escola básica.

Voltarei ao assunto).